Brasil cai em rankings mundiais de corrupção, democracia, violência e produtividade

Dificuldade em melhorar ambiente de negócios e polarização política prejudicam o país

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Gustavo Queirolo
São Paulo

As duas primeiras décadas deste século foram marcadas por uma piora da imagem do Brasil em relação à de outros países em aspectos variados, que vão da sofisticação da economia à percepção de segurança e corrupção.

Um levantamento feito pela Folha mostra que o país foi ultrapassado por outras nações em sete de oito rankings com foco em quesitos considerados importantes por investidores, organizações multilaterais e não governamentais.

Rua 25 de Março, no centro de São Paulo
Rua 25 de Março, no centro de São Paulo - Danilo Verpa - 2.jul.21/Folhapress

Os recuos ocorreram nas listas que mensuram solidez democrática, liberdade do ambiente de negócios, complexidade das exportações, combate à corrupção, renda per capita, produtividade do trabalho e segurança.

A exceção —entre os oito rankings analisados pela reportagem— foi o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), calculado pelas Nações Unidas, no qual o país teve um modesto avanço desde 2010.

Em todos os casos, as séries foram consideradas apenas a partir do ano em que o número de nações incluídas ficou estável ou muito próximo ao do dado mais recente disponível, para evitar que mudanças de posição do Brasil fossem causadas pela entrada de novos países.

O maior declínio brasileiro foi registrado no Índice de Liberdade Econômica calculado pela Heritage Foundation, centro de pesquisa liberal americano. Desde 2009, o país perdeu 38 posições nesse ranking, recuando do 105º para o 143º lugar.

A aprovação da reforma da Previdência, em 2019, havia contribuído para uma pequena recuperação do Brasil, mas foi vista como insuficiente para mudar o quadro geral de má classificação em pilares considerados cruciais para um ambiente favorável à livre iniciativa.

Em seu relatório de 2021, a Heritage Foundation ressaltou que, embora o governo de Jair Bolsonaro levante uma bandeira liberal, tem falhado em reduzir gastos públicos e níveis insustentáveis de dívida.

A instituição considera em seu cálculo 12 indicadores, agrupados em quatro grupos: Estado de Direito, tamanho do governo, eficiência regulatória e liberdade de mercado.

“O Brasil devolveu alguns ganhos em liberdade econômica que tinha atingido em 2020, retomando seu declínio no ranking dos [países], de forma geral, não livres”, ressaltou a organização.

Outro ranking no qual o Brasil despencou foi o de complexidade econômica, calculado pela Universidade Harvard. O país passou da 26ª para a 53ª posição, entre 2000 e 2019 —ano mais recente para o qual há dados.

Calculado pelo Laboratório de Crescimento da instituição, o índice parte da ideia de que o nível de conhecimento em uma sociedade se traduz nos produtos que ela faz. Quanto mais diversos, tecnologicamente sofisticados e raros forem esses bens, maior o nível de complexidade econômica.

“Histórias econômicas globais bem sucedidas são aquelas de países que aumentaram sua complexidade econômica e seus volumes de exportação ao mesmo tempo”, disse à Folha Tim Cheston, gerente sênior do Laboratório de Crescimento de Harvard.

“No Brasil, ocorreu o contrário: o período de crescimento das exportações [nos anos 2000] foi acompanhado de um declínio da complefoxidade econômica”, afirmou o especialista.

Segundo ele, a pauta exportadora cada vez mais baseada em commodities prejudica o Brasil.

A capacidade de inovação de um país está ligada, entre outros fatores, à qualidade de sua mão de obra. O Brasil conseguiu aumentar os anos de estudo da população nas últimas décadas, o que contribuiu para o avanço pequeno do país no IDH, que, além das escolaridades alcançada e esperada, também considera a expectativa de vida.

Mas, além de outras nações também terem feito esse movimento, o progresso brasileiro em termos de qualidade da educação tem sido lento.

Somado à dificuldade em tornar o ambiente de negócios menos burocrático e livre, as deficiências de formação da mão de obra limitam a inovação, freando a sofisticação econômica.

Como esses fatores se autoalimentam, isso se reflete em outro ranking: o de produtividade dos trabalhadores, no qual o Brasil foi ultrapassado nas últimas duas décadas por nações como Colômbia, República Dominicana e Bulgária.

A dificuldade em sustentar um ritmo mais acelerado de crescimento, por sua vez, também aumenta o risco de instabilidade política e a violência.

Esses são outros dois aspectos nos quais o Brasil tem sido deixado para trás por outras nações.

A Economist Intelligence Unit (EIU), braço de pesquisa do grupo britânico The Economist, calcula o Índice de Democracia, com base em indicadores de cinco categorias: processo eleitoral e pluralismo; funcionamento do governo; participação política; cultura política e liberdades civis.

Embora esse seja, entre os oito rankings analisados, o de melhor desempenho relativo do Brasil, houve uma pequena deterioração na última década. Desde 2010, a posição brasileira caiu de 47ª para 49ª, entre 167 nações e territórios.

Segundo Robert Wood, economista-chefe da EIU para a América Latina, a emergência de grandes escândalos de corrupção nos últimos anos levou a uma crescente descrença em relação à classe política.

“Isso alimentou uma desilusão perigosa para o processo político, abrindo espaço para um 'outsider' como Bolsonaro”, disse Wood à Folha.

Em relatório recente, outra organização respeitada, a Transparência Internacional, afirmou que o Brasil enfrenta “sérios retrocessos no combate à corrupção”.

Entre 2007 e 2020, o país perdeu 22 posições no ranking da organização que mensura a percepção de corrupção nas diferentes nações, com base na opinião de representantes do setor privado e analistas.

Wood destaca que, apesar do aumento da polarização política causado por problemas como a corrupção, o Brasil teve leve melhora no índice de democracia da EIU entre 2019 e 2020 em consequência do maior apoio popular à democracia e da capacidade demonstrada pelos poderes Legislativo e Judiciário de cumprir seu papel de peso e contrapeso ao Executivo.

A realização bem sucedida de eleições municipais em meio à pandemia do coronavírus também contou a favor do país.

Já em termos de segurança, o Brasil teve uma piora em seu desempenho no Índice de Paz Global referente a 2020. Segundo o Institute for Economics and Peace, que calcula o indicador, entre as populações dos 163 países pesquisados, a brasileira é a que expressa o maior temor em relação à violência no mundo.

Os fatores expressos nesses rankings são importantes empecilhos ao avanço social e econômico do país, o que se reflete no índice de renda per capita do Brasil.

Medido em paridade do poder de compra —metodologia que desconta os diferentes custos de vida das nações—, o rendimento médio do brasileiro avança, lentamente, há décadas.

Assim, países como China, Chile, Turquia e Botsuana, além de Taiwan, que eram mais pobres que o Brasil no início da década de 1980, hoje registram renda per capita média maior do que a brasileira.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.